segunda-feira, 23 de agosto de 2010

China esconde avanço econômico

País se orgulha por ter ultrapassado o Japão e ser a segunda maior economia do mundo, mas evita fazer barulho para não ser vista, e cobrada, como uma potência.
Rica e poderosa, quem? Eu? A reação oficial da China nesta semana à sua última façanha – ultrapassar o Japão para se tornar a segunda maior economia do mundo – tem sido mais modesta que enaltecedora.
Em vez de se gabar de seu novo status, a China, a nação mais populosa do mundo mas ainda aproximadamente a centésima em renda per capita, está se contorcendo para mostrar que não é absolutamente bem-sucedida.
Desde segunda-feira, quando o Japão divulgou dados econômicos mostrando que seu Produto Interno Bruto do segundo trimestre havia ficado atrás do PIB chinês, Pequim vem apregoando as próprias deficiências. Em coletivas à imprensa, talk shows e páginas editoriais, comentaristas se apressaram em depreciar as estatísticas, dizendo que elas são erradas, enganosas ou carentes de significado. Eles comparam a China não ao Japão ou aos Estados Unidos, mas à Albânia – ambos têm uma renda anual per capita em torno de US$ 3.600.
Esse não tem sido um momento para o Partido Comunista alardear o fato de que a China registrou taxas de crescimento anual de 9% em média nas duas últimas décadas.
“Há pouca comemoração neste país”, desdenhou o jornal em língua inglesa China Daily em um editorial na quinta-feira. “Não temos tempo para nos embriagar com números grandes.” Num informe concedido na terça-feira em Pequim, um funcionário da chancelaria, Zhu Honghai, ofereceu uma extensa lista das fraquezas da China – pobreza rural, disparidades sociais, baixo nível de investimentos em educação, saúde, previdência social. O porta-voz do Ministério do Comércio, Yao Jian, advertiu jornalistas de que “há 150 milhões de pessoas que não conseguem atingir o padrão de US$ 1 por dia”: “Isso é um fato na China”.
Num talk show, “Today Observed” na CCTV, economistas conversaram sobre por que os chineses não deveriam ficar contentes por superar o Japão, enquanto uma manchete de jornal acusava a imprensa estrangeira de “tentar bajular a China até a morte”.
Uma estranha forma de expressão num país onde a mídia noticiosa estrangeira é amiúde acusada de “atacar a China”.
O que, além da honestidade, está por trás da autodepreciação? “A China se fez de coitadinha e vítima por muito tempo e eles estão acostumados com esse papel”, sugeriu Patrick Chovanec, um professor adjunto na Escola de Economia e Administração da Universidade Tsinghua, em Pequim. “Há uma qualidade adolescente em não se sentir confortável com a maneira como se está ficando.” Ao insistir que ainda é uma “nação pobre, em desenvolvimento” – uma expressão repetida com frequência como um mantra por Pequim – a China também pode pedir para ser eximida de exigências em negociações sobre questões que variam da mudança climática à balança comercial.
“Existe uma curiosa contradição. A China se orgulha do que conquistou e quer ser uma potência, se não uma superpotência, mas sente que se não for mais vista como um país em desenvolvimento isso poderá prejudicar seus interesses”, disse Chovanec.
Em certa medida, as manifestações de humildade da China podem ser um reflexo cultural.
“Como chineses, nós fazemos as coisas de maneira distinta do Ocidente. Estamos acostumados a manter uma atitude discreta e não nos vangloriar de qualquer simples realização”, disse Zhang Yansheng, um economista da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma. “E este é um país com uma história tão longa que nós sabemos que por mais que se realize, tudo pode se perder.” Zhang aponta o exemplo do Japão, que em meados dos anos 1990 tinha uma renda per capita muito superior à dos Estados Unidos, mas depois disso ficou para trás.
O governo japonês reportou na segunda-feira um Produto Interno Bruto de US$ 1,29 trilhão no segundo trimestre, ficando atrás do US$ 1,34 trilhão registrado pela China, com o que a China subiu nesse ranking (embora a renda per capita da China continue sendo um décimo da do Japão).
Os economistas haviam previsto que a China superaria o Japão em algum ponto deste ano, e 2030 foi frequentemente mencionado como o ano em que a economia chinesa provavelmente superará a dos Estados Unidos.
Alguns analistas chineses acreditam que a ascensão recente da China na escala estatística se deveu à série de desastres naturais e ao dinheiro despejado em alívio e reconstrução.
“Os chineses não estão exultantes neste momento”, disse Shi Yinhong, um professor de relações internacionais na Universidade Renmir em Pequim. “Nós sentimos que ainda enfrentamos muitas dificuldades e não temos nenhum amigo no mundo.”

22/08/2010
Tradução de Celso M. Paciornik
Fonte: O Estado de São Paulo

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