terça-feira, 31 de agosto de 2010

Avanço chinês traz temor de dumping

Várias aquisições na área de minério de ferro assustam industriais de Minas Gerais, que temem pela forte concentração estrangeira

Eduardo Kattah, correspondente, Belo Horizonte

O apetite chinês por ativos de minério ferro no Brasil desencadeou uma discussão entre industriais em Minas Gerais, Estado que concentra a maior parte do volume de negócios anunciados este ano.

Representantes da siderurgia alimentam preocupação com o risco de prática de dumping no mercado internacional do aço por parte do país asiático, mas a tese é vista com desconfiança dentro da própria Federação das Indústrias do Estado (Fiemg). “Não pode haver esse sentimento. O que nós temos de ter é uma política industrial”, avalia o presidente do Sindicato da Indústria Mineral (Sindiextra), Fernando Coura.

As reações ao avanço chinês foram levantadas recentemente por entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto Aço Brasil (IABr) e encontraram eco no presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Benjamin Steinbruch, dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) – que tem em Congonhas (MG) a mina Casa de Pedra.

O vice-presidente da Fiemg e ex-presidente da Usiminas, Marco Antônio Castello Branco, argumenta que a lógica expansionista chinesa “está baseada num dirigismo estatal que submete o interesse empresarial às prioridades políticas e econômicas governamentais”. “O receio é que uma empresa chinesa no Brasil se transforme num simples centro de custos, e que os lucros sejam transferidos de forma distorcida para a China.”

Manipulação. Segundo Castello Branco, a grande participação do país asiático no mercado mundial de commodities confere a ele a possibilidade de manipular os preços internacionais. No caso do minério de ferro, acredita o vice-presidente da Fiemg, basta que o governo chinês “aprenda a controlar a formação de estoques e a demanda spot de minério para que os preços internacionais venham a ficar distorcidos, muito baixo ou muito alto, dependendo do interesse do momento”.

A presença chinesa em ativos minerários no Estado teve início em novembro passado com a Wuhan Iron and Steel (Wisco), que adquiriu parte do capital da MMX, dona de unidades de produção na Serra Azul, no chamado Quadrilátero Ferrífero.

Também no fim de 2009, a Votorantim Novos Negócios, do Grupo Votorantim, acertou, por meio de um memorando de intenção, a venda para a chinesa Honbridge Holdings, por US$ 430 milhões, de seu projeto de minério de ferro na região norte do Estado – considerada a mais nova fronteira mineraria de Minas, com jazidas estimadas em 20 bilhões de toneladas de minério de ferro de baixo teor .

Em março, o Grupo Itaminas, controlado pelo empresário Bernardo Melo Paz, assinou uma carta de intenções com o consórcio chinês ECE – Birô de Exploração e Desenvolvimento Mineral do Leste da China. A negociação, ainda não está concluída, envolve a venda da Itaminas Comércio de Minérios S/A, detentora de uma mina em Sarzedo (MG) com reservas estimadas em 1,3 bilhão de toneladas de minério de ferro, também na região do Quadrilátero Ferrífero. O acordo prevê que o consórcio chinês adquira 100% da Itaminas por cerca de US$1,2 bilhão.

Para cumprir um acordo de fornecimento de minério de ferro com a Wisco, a MMX tem buscado novos ativos na região, entre eles a Minerita – uma das últimas jazidas significativas disponíveis na Serra Azul. Segundo fontes, a mineradora localizada em Itatiaiuçu também está na mira de empresas chinesas.

“Hoje, Minas Gerais é o foco imediato dos investimentos chineses”, observou Frederico Viana Rodrigues, da Souza Cescon Advogados, que integrou uma recente missão de negócios organizada pela Fiemg e por autoridades do Estado em Xangai. Segundo ele, o grupo voltou com uma consulta de um fundo de recursos privados com interesse de adquirir ativo minerário em Minas. “Não é uma operação de bilhões, mas é uma operação de milhões de dólares.”

Soberania. Em meio a alegações de que a invasão chinesa no setor pode representar uma ameaça soberania nacional, o presidente do Sindiextra lembra que não há no Brasil restrição ao capital estrangeiro. “Aí nos temos de rasgar tudo, se houver restrição ao capital estrangeiro. O que a Arcelor Mittal é? As produtoras de ouro no Brasil são canadenses, sul-africanas…”

Coura, porém, se impressionou com a invasão de equipamentos de carga – escavadeiras para mineração e construção pesada – chineses na feira Equipo Mining 2010, realizada este mês em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Para o economista e professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Germano Mendes de Paula, especialista em mineração e siderurgia, o risco de eventual prática de dumping no aço por parte China já é uma realidade, independentemente do estratégico avanço das empresas chinesas no Brasil ou em outros países, como a Austrália – segundo ele, o foco inicial e ainda o maior alvo de aquisições da nação asiática.

“Já existem fatores que são importantes para você o temer (a prática de dumping) agora. O chinês obtém financiamento subsidiado de seus bancos. Os preços de seus insumos, em grande parte, não são preços de mercado.”

Plataforma
MARCO ANTONIO CASTELLO BRANCO VICE-PRESIDENTE DA FIEMG
“O receio é que uma empresa chinesa no Brasil se transforme num simples
centro de custos.”


30/08/2010
Fonte: O Estado de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário